Gestação Gestantes Tratamento

Aborto de repetição

Aborto recorrente é considerado o histórico – comprovado por gonadotrofina coriônica sérica ou urinária, por ecografia ou exame anatomopatológico – da perda de 2 ou mais gestações. É classificado como “precoce” quando ocorre antes da 10ª semana, podendo ser consecutivo ou não. A investigação deve ser realizada nesses casos, porém, deve ser levado em consideração que, entre 50 e 75% dos casais, a causa não é identificada. 

Um fator de risco independente é a idade, sendo mais comum acima dos 35 anos com um aumento na prevalência quando acima dos 40 anos. Associado a isso, o estilo de vida influencia, sendo importante a orientação de cessar o consumo de cigarro, drogas ilícitas e manter estilo de vida saudável. Quanto ao IMC, é importante estar na faixa da normalidade (entre 18 e 25) uma vez que os extremos são considerados fatores de risco. 

As alterações genéticas são causa comum de perda gestacional e fazem parte da avaliação das perdas gestacionais recorrentes. Estima-se que 50% dos abortamentos ocorrem devido à aneuploidia, que decorre de erros aleatórios e da não disjunção meiótica. A sua identificação é considerada um bom prognóstico, uma vez que pode indicar um evento esporádico com menor chance de recorrência. A análise genética ideal inclui o produto do concepto, mãe e pai, para uma análise mais aprofundada e pode ser realizada como Diagnóstico Genético Pré-Implantacional (PGD). Quando há indicação de alteração genética em um dos genitores, há a opção de transferência de embriões não afetados ou uso de gametas doadores. Assim, o PGD é uma ferramenta a ser utilizada quando há uma alteração genética conhecida, sendo limitado em abortos inexplicados. Um cariótipo normal sugere, apesar de não comprovar, que algum fator ambiental materno pode ser a causa da perda recorrente. 

Na Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo (SAF), ocorre uma alteração no trofoblasto, causada pelo anticorpo antifosfolipídeo que altera a diferenciação das vilosidades coriônicas, induzindo a apoptose do trofoplasto, além de facilitar vias inflamatórias sobre o trofoblasto. Quando há histórico de 3 ou mais abortos antes da 10ª semana, e excluídas as causas anatômicas, é indicada a investigação hormonal e cromossômica materna. A mesma investigação é indicada em caso de perda acima de 10 semanas em feto morfologicamente normal ou mesmo em nascimentos prematuros (antes das 34 semanas) devido à eclâmpsia, pré-eclâmpsia ou insuficiência placentária. Diante disso, os critérios diagnósticos são baseados em, no mínimo, um clínico e um laboratorial. Os critérios clínicos são esses descritos anteriormente ou histórico pessoal de trombose. Já os laboratoriais incluem a dosagem dos anticorpos lúpicos, anti-cardiolipina IgG ou IgM ou anti-beta2-glicoproteína, em um intervalo a partir de 12 semanas. Ao realizar o diagnóstico, recomenda-se a administração de AAS antes da concepção, em dosagem de 100 mg por dia; heparina não-fracionada 5000 UI, 2 vezes ao dia, na descoberta da gestação, ou heparina de baixo peso molecular 0,5 mg/kg, 1 vez ao dia. Todas as medicações têm a indicação de mantenimento por até 6 semanas após o parto. 

A suspeita de trombofilia hereditária como fator V de Leiden, mutação do gene da protrombina C e S ou antitrombina se dá perante um histórico de trombose venosa ou histórico familiar de trombofilia de alto risco. Segundo a Sociedade Europeia de Reprodução Humana e Embriologia (ESHRE), devido ao tratamento com heparina de baixo peso molecular não apresentar melhor desfecho, não há indicação de rastreamento de rotina.

Assim, além das alterações descritas acima, é importante lembrar que fatores anatômicos podem causar abortos recorrentes, ainda que discutivelmente, já que estão mais associados a perdas no segundo e terceiro trimestre. Pode ser realizada ressonância, histerossalpingografia ou ecografia transvaginal, que podem auxiliar no diagnóstico, principalmente de anomalias müllerianas congênitas como útero unicorno, didelfo, bicorno, septado ou arqueado. Nos casos em que há síndrome de Asherman, pólipos ou miomas, não há estudo que comprove efetivamente o benefício na correção cirúrgica. Porém, há consenso de que a correção cirúrgica deve ser considerada em casos de correções de defeitos importantes. Em defeitos irreparáveis, considerar Fertilização In Vitro (FIV) e útero de substituição. 

A disfunção tireoidiana e alterações autoimunes dessa glândula podem causar aborto recorrente, principalmente quando há a presença de Anticorpo Anti-tireoperoxidase (Anti-TPO). Já a prolactina, apesar de seu papel na manutenção do corpo lúteo e progesterona, está indicada na investigação quando a paciente possua quadro clínico sugestivo de hiperprolactinemia. Outras alterações endócrinas, como rastreamento para Síndrome dos Ovários Policísticos (SOP), resistência insulínica, avaliação de reserva ovariana e hipovitaminose, possuem falta de evidência quanto a sua associação aos abortos de repetição. 

Os fatores aloimunes como Antígeno Leucocitário Humano (HLA), fatores embriotóxicos, dosagem de anticorpos anti-paternos, pesquisa de células NK, entre outros, não possuem estudos suficientes que comprovem sua investigação e benefício em tratamento. 

A investigação de fatores masculinos pode ser considerada ao solicitar espermograma e pesquisa de fragmentação de DNA. Não há tratamento específico, mas sabe-se que esse dano investigado é causado por estilo de vida não saudável, de modo que, a mudança do estilo de vida pode ser indicada. 

REFERÊNCIAS: 

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CARP, Howard et al. Embryonic karyotype in recurrent miscarriage with parental karyotypic aberrations. Fertility and Sterility, v. 85, n. 2, 2006, p. 446-450. Disponível em: https://doi.org/10.1016/j.fertnstert.2005.07.1305. Acesso em: 03 nov. 2023.

PASSOS, Eduardo et al. (org.) Rotinas em Ginecologia. 8. ed. Porto Alegre: Artmed, 2023.

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SCHAEFFER, Anthony et al. Comparative genomic hybridization-array analysis enhances the detection of aneuploidies and submicroscopic imbalances in spontaneous miscarriages. American Journal of Human Genetics, v. 74, n. 6, 2004, p. 1168-1174. Disponível em: https://doi.org/10.1086/421250. Acesso em: 03 nov. 2023.

THE EUROPEAN SOCIETY OF HUMAN REPRODUCTION AND EMBRYOLOGY GUIDELINE GROUP ON RECURRENT PREGNANCY LOSS et al. ESHRE guideline: recurrent pregnancy loss. Human Reproduction Open, v. 2018, n. 2, 2018. Disponível em: https://doi.org/10.1093/hropen/hoy004. Acesso em: 03 nov. 2023.

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Sobre o autor

Patricia Rossi Peras

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