Ameaça de abortamento

Ameaça de abortamento: o que todo médico deve saber

Escrito por Jader Burtet

O aborto é a complicação obstétrica mais frequente. Assim, pode-se pensar em uma paciente que deseja engravidar e chega no consultório com sangramento, como se deve conduzir essa situação? 

Muito mais importante do que falar sobre abortamento é falar de sangramento no primeiro trimestre, e como explicar e abordar esse sangramento é o desafio de fazer entender que sangrar no começo da gravidez é super comum, e não necessariamente vai acabar determinando um desfecho favorável na gestação. [desfavorável?]

O abortamento também deve ser abordado sob uma perspectiva psicológica. Pode-se observar que as pessoas não têm orgulho de dizer que tiveram esse tipo de evento. Há dados de gestações clínicas que apontam que cerca de 25% não evoluem, ou de gestação química, que é detectada pela B-HCG. Entre os testes positivos pode-se ter que até 60% dos casos não vão evoluir, e isso é um dado importante de se levar em conta. Isso para alguns casais é motivo de evitar o compartilhamento da informação, tendo em vista que pode não evoluir com queiram. 

O principal motivo de gestação que não evolui até 12 semanas são as doenças cromossômicas, como as trissomias. Nesses casos, essas gestações não evoluem corretamente no 1º trimestre. E, dessas gestações, cerca de 80% têm relação com alterações cromossômicas que não serão compatíveis com a vida, e essa interferência já é detectada no 1º trimestre com o crescimento irregular ou não esperado. Abordando a principal preocupação das mulheres que tiveram essa situação, a mais frequente é: “o que é que eu fiz de errado?”. A partir disso, tem-se várias situações em que a paciente começa a se questionar, tentando encontrar um fato causador para tentar explicar o que aconteceu, como:

  • será que foi aquela cerveja que tomei?
  • será que tem alguma relação com aquela vitamina que tomei?
  • acho que eu não poderia ter tido relação sexual na gestação
  • fiz alguma atividade que deveria ter evitado? Não poderia ter entrado na piscina?

É preciso entender também como um acontecimento que não ocorre devido sua incompatibilidade com a vida e, por isso, a maioria dessas gestações são interrompidas “de forma natural”. 

Outro ponto é a ameaça de abortamento. Um sangramento do primeiro trimestre pode ser apenas uma ameaça de abortamento, e não significa que tenha uma alteração genética associada, porém é a minoria das vezes que será possível uma interferência para modificar o desfecho final dessa gravidez. Com isso surge o desejo da mãe de um “remédio” para segurar a gravidez e nós, como profissionais, devemos conseguir explicar que, na maior parte das vezes, não conseguiremos ter uma ação eficaz para modificar o curso dessa gestação. Um dado epidemiológico importante é que 1 em cada 4 mulheres vão apresentar uma perda gestacional de primeiro trimestre durante a vida. 

Em relação a parte de propedêutica, vamos entender quais são os exames obrigatórios de diagnóstico de abortamento?

 

  • ainda não existe um exame para detectar alteração cromossômica no início da gestação. Em relação ao beta-HCG, analisando o parâmetro quantitativo, esse exame pode duplicar a cada 48 ou 60 horas, mas sem certificação absoluta de que tudo está ocorrendo como esperado. Esse exame é mais usado para exclusão de gestação ectópica do que para acompanhar uma gestação não evolutiva da primeira metade da gravidez. 
  • a ultrassonografia transvaginal é um exame que toda paciente vai querer fazer. Nesse caso, é importante saber orientar, tranquilizar e explicar sobre esse exame. A sensibilidade desse exame é restrita, e será possível visualizar inicialmente o saco gestacional entre 5 e 6 semanas, porém não necessariamente vai ser possível visualizar vesícula vitelínica. Acima da 6ª semana, se for uma gestação de datação adequada, será possível ver o embrião, e ainda será visto o batimento cardíaco fetal (BCF). Entre o aparecimento do BCF e o embrião, haverá o aparecimento da vesícula vitelínica. Portanto, a ordem é saco gestacional, vesícula vitelínica entre 5 e 6 semanas e, a partir da 6ª semana, o embrião. E o BCF só será visto quando o comprimento cabeça-nádega (CCN) for maior que 7 mm. 
    • os guidelines atuais indicam que é possível ver um embrião quando o saco gestacional for superior a 25 mm. Se houver diâmetro de 26 mm e não for possível ver saco gestacional, pode-se diagnosticar uma gestação não evolutiva ou uma gestação anembrionada. 
    • se há o saco gestacional, um embrião com CCN superior a 7 mm, porém sem BCF, é possível diagnosticar também uma gestação não evolutiva.

A ansiedade é um fator natural que aparece na gestação, e os profissionais de saúde devem saber orientar essa paciente sobre como está sendo feita a abordagem, sobre o tempo de desenvolvimento e, principalmente, sobre o tempo de início para o aparecimento dos parâmetros. E uma das questões levantadas pela maioria das gestantes que passam por algum tipo de sangramento na gestação é sobre algum medicamento que interrompa o sangramento. Como abordar?

É importante orientar essas pacientes de forma adequada, de acordo com as atualizações e guidelines mais atuais, e sobre a inexistência de um fármaco que evite o abortamento. Além disso, é importante lembrar de alterações metabólicas e fatores de risco como crise diabética, alterações tireoidianas, pacientes etilista e tabagistas e pacientes que utilizam medicações que interferem na absorção do ácido fólico são pacientes que têm maior chance de ter perda gestacional no primeiro trimestre. É notável também às abordagem pré-gestacionais como a insuficiência do corpo lúteo, que pode ser abordado com progesterona, bem como o hipoteroidismo que, nesse caso, deve ser tratado antes da gestação, pois as primeiras divisões celulares são muito importantes. 

Um pouco sobre a prescrição da progesterona frente ao sangramento da primeira gestação. No início o corpo lúteo é que mantém a gestação, e em seguida a placenta assume esse papel. Assim, até 10 semanas não há uma placenta eficiente que produza todos os hormônios que vão manter a gestação, quem faz esse papel inicial é o corpo lúteo. E esse sofre influências de vários fatores, como tabagismo ou uma ovulação que sangrou, alguma influência genética ou até mesmo a idade da gestante. Em teoria, a progesterona teria algum tipo de benefício na ameaça de abortamento até a 10ª semana, mas levando em conta que não há evidências robustas sobre essa conduta. Porém, é restrito ao tempo de gestação até a 10ª semana. Uma outra ação importante da progesterona é na abordagem da prevenção de parto pré-termo, a progesterona atua na prevenção de prematuridade.

Algumas questões que são dúvidas frequentes da maior parte dos clínicos são:

E sobre o repouso na ameaça de abortamento, realmente deve ser indicado? 

Sabendo que  a maioria dos abortamentos têm relação com aneuploidias e alterações cromossômicas, o repouso não terá um desfecho diferente. Porém, é importante saber relatar isso para a paciente da forma que ela entenda e que evite expectativas não reais. A orientação de repouso deve ser feita, mas não há evidências científicas que respaldam essa conduta no desfecho final de uma ameaça de abortamento. 

A abstinência sexual é útil ou vai mudar o desfecho de uma ameaça de abortamento? 

Teoricamente não muda. Porém, pensando fisiologicamente sobre o ato sexual, pode haver contração e relaxamento da musculatura uterina. Assim, mesmo não havendo evidências científicas da abstinência sexual na ameaça de abortamento, é recomendado evitar o ato sexual. Oferecer isso é oferecer conforto para essa paciente e evitar algum achado de culpa por conta da paciente. 

Suplementos vitamínicos são úteis na ameaça de aborto? 

A única evidência metodicamente indicada é a de ácido fólico. Entretanto, é necessário individualizar alguns casos, como em casos de gestantes que possuem alguma deficiência de vitamina ou alteração de anemia. É importante notar que essas alterações serão detectadas nas consultas de pré-natal, que funcionam para conhecer a paciente, conhecer como é a vida dessa gestante e como são os hábitos de vida e nutricionais dessa paciente; são consultas eficientes para evitar problemas durante a gestação. Se a gestante consegue alimentar-se e ter a nutrição através da alimentação, sem a necessidade de suplementação, é a melhor forma de conduzir – exceto nos casos de pacientes com deficiência de micronutrientes. 

Quais são os tipos de progesteronas indicados para suplementação? 

É importante lembrar que a prescrição de progesterona está indicada para prevenção de prematuridade. A progesterona natural micronizada pode ser administrada tanto via oral quanto via vaginal, caso o sangramento não seja muito importante. E uma outra opção é a didrogesterona de 10 mg via oral 3 vezes ao dia. Então, tem-se como opções:

  • progesterona micronizada 100 a 200 mg via vaginal – 1 vez a noite ou 
  • didrogesterona 10 mg – 3 vezes ao dia.

Curso Pedpapers

Deixe um comentário

Sobre o autor

Jader Burtet

74 comentários

Deixe um comentário

Seja parceiro do GOPapers. Conheça os pacotes de anúncios e divulgações em nosso MídiaKit.

Anunciar no site