Consultório Diagnóstico

Hiperplasia endometrial

Escrito por Jader Burtet

Hiperplasia endometrial é a proliferação de glândulas do endométrio que são classificadas segundo a presença ou ausência de atipias, em relação ao núcleo celular e estrutura histológica.  As hiperplasias sem atipias dificilmente evoluem para neoplasia, já as com atipias, também chamadas de NIE (Neoplasia intraepitelial endometrial), possuem potencial de transformação maligna ou da própria coexistência com neoplasia de endométrio. 

A classificação dessa patologia vem sendo constantemente revisada. Em 2014, a Organização Mundial de Saúde (OMS) visou facilitar o diagnóstico e classificou em: 1. endométrio normal, em que as glândulas endometriais são organizadas e as células não são mitoticamente ativas; 2. hiperplasia sem atipias, antigamente referida como simples ou complexa, em que se observa um aumento da proporção de estroma e glândula, essa acumulada e dilatada. Nas hiperplasias com atipias, em paralelo, os núcleos não possuem atipias associadas à mitose acentuada. 

Há também a classificação de Neoplasia intraepitelial endometrial, proposta por um grupo de patologistas em 2000. Consiste em uma classificação distinta a da OMS, mas ambas são sobrepostas. Há uma divisão entre hiperplasia endometrial benigna, que corresponde a alterações comumente observadas em anovuladoras crônicas ou exposição prolongada a estrogênios, e Neoplasias intraepiteliais endometriais (NIE). A histologia na benigna consiste em endométrio volumoso, glândulas dilatadas com grau de hiperplasia considerada leve ou simples. Já as NIE possuem alterações pré-malignas similares às alterações classificadas pela OMS como hiperplasia com atipias. 

A real incidência das hiperplasias endometriais é difícil de estimar, mas sabe-se que é a patologia frequentemente encontrada em pacientes perimenopausa e pós menopausa. Essa proporção aumenta conforme a idade, principalmente as hiperplasias com atipias. 

O estrogênio possui um papel mitogênico no endométrio, assim, os fatores de risco para essa patologia são semelhantes aos de carcinoma endometrial, que se balizam na exposição prolongada do endométrio aos estrogênios. A fonte de estrogênio pode ser endógena como na ovulatória, em que não há a contraposição da progesterona no endométrio, ou exógena, como na terapia de reposição hormonal. Outros fatores de risco incluem obesidade, medicações (ex: tamoxifeno), síndromes hereditárias como Lynch — Câncer Colorretal Hereditário Não-Poliposo (HNPCC) — síndrome de Cowden ou síndrome do Hamartoma Múltiplo, status menopausal, idade maior que 50 anos, nuliparidade, diabetes mellitus e tamanho uterino maior ou igual a 9 cm. 

A hiperplasia endometrial geralmente se apresenta clinicamente como sangramento uterino anormal, mas pode se apresentar em achados citopatológicos anormais no rastreio do câncer de colo cervical (AGC) em pacientes com mais de 45 anos.  Pode estar presente também em pacientes assintomáticas na pós menopausa, como único achado o espessamento endometrial ou em achados ocasionais em peças de histerectomia, realizadas por outra indicação. 

Comumente, não há achados em exame físico e nem laboratoriais em pacientes com suspeita dessa patologia. Em algumas ocasiões, a imagem pélvica, em pacientes pós-menopáusicas, traz o aumento da espessura endometrial associado a alterações císticas e heterogeneidade. Tal achado, porém, não apresenta especificidade suficiente para o diagnóstico, mas sabe-se que nessas pacientes, o espessamento endometrial requer uma avaliação mais aprofundada. Assim, o diagnóstico da hiperplasia endometrial é realizado por critério histológico. 

A importância da investigação desta patologia encontra-se no fato de que a progressão para câncer de endométrio em pacientes com hiperplasia com atipia é 4 vezes maior em relação às pacientes sem atipias. A coexistência de neoplasia pode estar presente em até 40% dos casos de pacientes com atipias e menos de 1 % nas pacientes sem. Os preditores para essa coexistência incluem idade avançada, obesidade e diabetes mellitus.   

Devido à possibilidade da coexistência com carcinoma, é prudente que em pacientes com biópsias endometriais, realizadas ambulatorialmente com diagnóstico de hiperplasia com atipias, seja realizada uma amostragem maior do endométrio (por exemplo, a dilatação e curetagem ou histeroscopia) para descartar a possibilidade de carcinoma endometrial. 

Ao se deparar com o diagnóstico de hiperplasia, é importante estratificar o risco de progressão ou coexistência de carcinoma e classificá-la, conforme os critérios mencionados acima. Além disso, faz-se fundamental analisar o status menopausal da paciente e o desejo de fertilidade, visto que o tratamento pode ser clínico ou cirúrgico. 

O tratamento clínico consiste na administração de progestágenos (medroxiprogesterona, megestrol, noretindrona, progesterona micronizada, danazol e análogo de GnRH) por seu efeito antimitótico e competição com receptores de estrogênio. Além disso, atuam na ativação dos receptores de progesterona decidualizando o estroma e, consequentemente, afinando o endométrio, além da ativação das enzimas hidroxilase, convertendo o estradiol em seu metabólito menos ativo, isto é, em estrona.  O sistema intrauterino liberador de levonorgestrel (SIU-LNG 52 mg) representa a primeira linha de tratamento, pois possui maior taxa de regressão com menores efeitos colaterais.

Em pacientes com hiperplasia sem atipias, há pouca probabilidade de progressão e, quando há, geralmente são de pacientes que não fizeram o tratamento. Já em pacientes pós menopausa, pode-se realizar o tratamento clínico, mas a indicação de histerectomia deve ser discutida com a paciente, principalmente avaliando-se fatores de risco que ela possui. O uso de contraceptivos orais combinados está contraindicado devido ao risco da exposição a doses altas de estrogênio. 

Já em pacientes com hiperplasia endometrial com atipias, há o risco de progressão de doença de 15 a 40%. Além disso, em 40% das pacientes que possuem fatores de risco (idade avançada, obesidade, diabetes mellitus, pós menopausa com espessura endometrial acima de 20 mm), há a probabilidade de ter carcinoma endometrial concomitante. 

Devido ao alto risco de progressão e de neoplasia concomitante, o tratamento definitivo com histerectomia é recomendado em pacientes com prole completa e na pós menopausa. No entanto, em pacientes na menacme com desejo de gestar, indica-se progestágenos orais ou intrauterino (SIU-LNG) associado à vigilância dessa paciente. 

O tratamento dessa patologia deve ser feito como seguimento rigoroso da paciente. Importante salientar que, em pacientes com exposição prolongada ao estrogênio, deve-se encorajar a tratar a causa (ex: em pacientes obesas, a perda de peso, correção da disfunção ovulatória). 

Lembrar que o tempo médio para a regressão do endométrio é de 3 a 9 meses, sendo necessário uma nova amostra endometrial. Nas pacientes com hiperplasia sem atipias, recomenda-se repetir biópsia endometrial a cada 3 ou 6 meses a cada ano. Caso seja encontrada neoplasia, a histerectomia e tratamento específico são recomendados. 

Caso haja normalização do endométrio e a paciente deseje engravidar, não há contraindicação. Importante o padrão menstrual estar normalizado, mas caso não esteja, é indicado progestágeno ou até mesmo contraceptivo combinado por tempo indeterminado. 

Em caso de na nova amostragem endometrial a hiperplasia endometrial sem atipia persistir, a histeroscopia é necessária para excluir atipias ou carcinoma. Caso a hiperplasia seja mantida, manter o tratamento proposto e repetir a biópsia endometrial de 3 a 6 meses, reduzindo fatores de risco modificáveis. Se novamente persistir, pode-se aumentar a dose de progestágeno e, caso não seja suficiente, discutir com a paciente a histerectomia para tratamento definitivo. 

Em pacientes com hiperplasia com atipias, indica-se a histerectomia, mas, caso a paciente recuse ou esteja na menacme e queira engravidar, é importante realizar amostragem endometrial de 3 a 6 meses do tratamento com progestágeno. Caso na nova amostra haja a normalização do endométrio, a paciente pode tentar engravidar. Caso a paciente não engravide em 1 ano, é necessário repetir a amostragem endometrial. Se engravidar, após a gestação, e a paciente mantiver ciclos regulares, manter conduta expectante, embora deva-se avaliar a indicação de histerectomia. Pode-se oferecer SIU-LNG 52 mg ou contraceptivos orais contínuos. Caso a paciente apresente hiperplasia endometrial atípica e tenha fatores de risco após a concepção, a histerectomia pode ser indicada. 

 

Referências: 

CRISPI, Claudio et al. Tratado De Endoscopia Ginecologia: cirurgia minimamente invasiva.  Rio de Janeiro: Revinter, 2015.

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