Endoscopia Ginecológica

Intravasão na histeroscopia

Escrito por Jader Burtet

Para a realização de histeroscopia, visto que o útero possui uma cavidade virtual, faz-se necessário o uso de elementos para distender a cavidade uterina, chamado de meio de distensão. Um dos meios de distensão utilizado são líquidos que podem ser empregados em grandes volumes. Intravasão, portanto, é o nome utilizado quando o meio de distensão líquido entra, de modo excessivo, na circulação sanguínea. A intravasão ocorre, de certo modo, em todos os procedimentos, pois, a pressão utilizada, do meio de distensão, para abrir a cavidade uterina deve ser superior à pressão venosa, tendo um grau de absorção. Porém, mesmo que ocorra em todos os procedimentos, pode ocasionar problemas quando excede os limites fisiológicos da paciente podendo levá-la a complicações e até morte. 

A incidência dessa complicação é incomum e é estimada em 0,2-0,4% dos procedimentos realizados. São fatores de risco procedimentos maiores como a miomectomia, principalmente quando miomas submucosos volumosos tipo II (FIGO), restos ovulares muito vascularizados, fluidos utilizados em alta pressão, perfuração uterina durante procedimento e o tipo de anestesia. Os procedimentos cirúrgicos ocasionam abertura de vaso ao realizar a ressecção e isso pode aumentar a exposição e absorção do líquido. 

A sua consequência depende dos tipos de meio de distensão utilizados, bem como o volume absorvido. 

Os meios de distensão sem eletrólitos, utilizados com energia monopolar justamente por não ter eletrólitos para conduzir a corrente elétrica, como sorbitol, manitol e glicina, são tolerados uma absorção entre 800 1000 cm³, podendo ser menor em pacientes cardiopatas. A intravasão desses solutos podem aumentar em demasia o volume circulante ocasionando edema, edema pulmonar agudo e alterações hidroeletrolíticas. Esse excesso de volume pode ocasionar hiponatremia, hipocalcemia e hiperglicemia. 

A hiponatremia e todas as outras consequências são volume dependente. Pacientes que diminuem o sódio em 10mEq/L possuem maior probabilidade de desenvolver sintomas neurológicos. A hiponatremia tem como consequência, quando severa, causar náuseas, vômitos, confusão mental.

A glicina, dentre esses meios não eletrolíticos, possui uma particularidade que, contém amônia em seus produtos de metabolização. Assim, ao ser absorvida em excesso pode ocasionar encefalopatia devido ao radical amônia. O tratamento, nesse caso, consiste em suporte de vida, diuréticos, reequilíbrio hidroeletrolítico e insulina, se necessário. 

Já os meios de distensão eletrolíticos, como o soro fisiológico, são isotônicos com os fluidos orgânicos, portanto, mais bem tolerados. Os sintomas da intravasão, nesse caso, geralmente ocorrem quando a entrada de fluido ultrapassa 3000 ml (menos em pacientes com comorbidades). As consequências, nesse caso, são resultantes também de fluido em excesso, como citado anteriormente: dispneia, hipo ou hipertensão, convulsão, insuficiência cardíaca congestiva.

O tratamento, em intravasão em meios eletrolíticos, é baseado em suporte e diuréticos e, ao ser diagnosticada rapidamente e tratada precocemente, é possível sair do quadro sem sequelas. A hiponatremia geralmente é corrigida rapidamente quando a função renal é normal e são diuréticos administrados. Essa fugacidade dos sintomas é mais segura que uma rápida correção da hiponatremia, que pode causar desmielinização osmótica caso o sódio aumente rapidamente. A correção da hiponatremia deve ser feita apenas em casos extremos (edema cerebral, edema pulmonar) e de forma lenta e gradual, não excedendo mais de 12mEq/L nas primeiras 24h e mais lento ainda caso a hiponatremia ocorra de forma tardia. 

Para prevenir a complicação da intravasão, pode-se utilizar a menor pressão de distensão possível, como 75-100mmHg (que é maior que a pressão arteriolar). Sabe-se que a pressão de distensão e fluxo de irrigação tendem a aumentar o diâmetro de um vaso aberto e, assim, aumentam em até 50 vezes o risco de extravasamento. Logo, controlar a pressão de distensão é fundamental, bem como evitar a hipotensão. 

O uso de bombas que controlam a pressão é recomendável. Além disso, pode-se realizar o balanço do fluido utilizado, de forma rigorosa, monitorando a entrada e saída desses, com a suspensão imediata do procedimento ao atingir valores limítrofes como a marca de 750 ml, independente do fluido. Caso haja absorção maior de 1000ml, deve-se checar a concentração sérica de sódio e estado mental, bem como manter a paciente em observação para agir o mais rápido possível, caso haja indício de intravasão. 

O uso de ressectoscópios bipolares ou ultrassônicos, quando possível, também constitui material que pode prevenir a intravasão, pois esses meios de energia permitem que seja utilizado meio de distensão eletrolítico, melhores tolerados, que os não eletrolíticos. Além disso, realizar o procedimento imediatamente após a menstruação, quando o endométrio possui menos vasos sanguíneos devido ao início da fase proliferativa, pode diminuir o risco de intravasão. 

REFERÊNCIAS

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  9. Hahn RG. Fluid absorption in endoscopic surgery. Br J Anaesth 2006; 96:8.
  10. CRISPI – TRATADO DE ENDOSCOPIA GINECOLÓGICA – Cirurgia minimamente invasiva 3ª edição

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Jader Burtet

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