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Vaginites e Vaginoses

Escrito por Jader Burtet

As vulvovaginites e vaginoses são causadas por um desbalanço no meio fisiológico vaginal, composto, primordialmente, por Lactobacillus. São as queixas mais frequentes nos consultórios de ginecologia, correspondendo até a 40% dos atendimentos. Os sintomas incluem corrimento vaginal de múltiplos aspectos associados ao prurido, ardência, dor, queimação, disúria, dispareunia e odor fétido. 

A vaginose bacteriana é a causa mais comum de corrimento vaginal em mulheres em idade fértil. Há uma mudança da microbiota vaginal, que reduz os Lactobacillus e aumenta a biota de bactérias anaeróbias facultativas. Essa substituição de flora altera a resposta imune local tornando, portanto, um meio mais suscetível a doenças sexualmente transmissíveis, como HPV e HIV. Além disso, o microbioma alterado causa aumento do pH com sintomatologia, desde assintomática até muito desconforto. Possui como fator de risco atividade sexual, tabagismo, dieta rica em gordura e pobre em fibras, sobrepeso e obesidade.

O diagnóstico de vaginose bacteriana é de suma importância. É provável que esteja relacionada a abortos recorrentes após FIV, suscetibilidade e outras infecções sexualmente transmissíveis, aumento do risco de infertilidade tubária, prematuridade, baixo peso ao nascer e endometrite pós-parto.

No exame físico, observa-se leucorreia esbranquiçada, homogênea, branco-acinzentada ou até amarelada com odor típico de peixe, que pode ser mais intenso após intercurso sexual. Possui como parâmetros para o diagnóstico os critérios de Amsel e gradiente de Nugent. Segundo os métodos de Amsel, é considerada positiva a avaliação que apresente no mínimo 3, dos 4 critérios. São eles: leucorreia – com as características descritas anteriormente –, pH vaginal básico (acima de 4,5), teste das aminas positivo e presença de clue cells. Já o escore de Nugent, considerado padrão-ouro, possui uma pontuação em que se considera a bacterioscopia e o conteúdo vaginal (Gram). Esse teste é realizado, principalmente, para finalidade de pesquisa, já que requer mais tempo, recurso e expertise de quem realiza o exame. É possível, também, usar testes de amplificação de ácido nucleico, úteis para o diagnóstico tanto de vaginose quanto de candidíase vaginal, vaginite por tricomonas e cervicite causada pela gonorreia e clamídia. 

Para o seu procedimento, preferencialmente empregar metronidazol via oral durante 7 dias ou na forma de gel (0,075% – 5 g) por 5 noites, ou aplicar clindamicina creme (2% – 5 g) por 7 noites. Outra opção é colocar tinidazol 2 g via oral, 2 vezes ao dia por 2 dias, ou 1 vez ao dia por 5 dias. A clindamicina, alternativamente, pode ser utilizada 300 mg via oral a cada 12 horas por 7 dias. Ao utilizar as medicações mencionadas, exceto a clindamicina, deve-se atentar para os possíveis efeitos colaterais que incluem: náuseas e vômitos, tontura, boca seca e gosto metálico. É de suma importância a abstinência alcoólica durante o tratamento e abstinência sexual, ou intercurso sexual protegido com preservativo. 

Em casos de recidivas, pode-se empregar outro esquema terapêutico ou até o mesmo regime utilizado. Se houver muitas recorrências, a utilização do metronidazol via oral de 7 a 14 dias é indicada e, caso não haja efeito, operar o gel intravaginal 2 vezes por semana por 4 a 6 meses. Importante orientar que nessas ocorrências, após a supressão da terapia, novos casos podem ocorrer. 

Na candidíase, a Candida albicans, que comumente faz parte da flora normal, passa do estado de saprófita para o estado infeccioso. Após essa mudança em seu estado, tem início um processo de invasão do epitélio vaginal, tendo como consequência a resposta inflamatória. Nesse caso, há queixa de prurido intenso, principalmente no período pré-menstrual, podendo estar associado às queixas de disúria e até dispareunia. Observa-se hiperemia vulvar, devido à inflamação local, edema ou mesmo fissuras. A leucorreia é branca ou amarelada, aderida na parede vaginal e de aspecto fluido, espesso ou flocular. Nesses casos, o pH vaginal não se altera, mas o exame a fresco com hidróxido de potássio ou soro fisiológico revela fungo. É possível ser solicitado bacterioscopia ou cultura de secreção vaginal quando a investigação física for sugestiva, mas o procedimento a fresco é negativo. É considerada recorrente quando há 4 ou mais episódios confirmados clinicamente e laboratorialmente em 1 ano. 

Considera-se candidíase não complicada quando é causada por Candida albicans e ocorre esporadicamente. Nesse caso, utiliza-se os derivados imidazólicos como fenticonazol em creme por 7 dias; óvulo de fenticonazol 600 mg quantidade única; clotrimazol gel ou comprimido vaginal; miconazol por 14 dias; econazol por 14 dias; butoconazol porção única; terconazol 5 dias; tioconazol por 7 dias ou óvulo em dose única; nistatina creme por 14 dias. Caso opte por via oral, existem as opções: fluconazol 150 mg porção única, cetoconazol 200 mg (usar dois comprimidos) por 5 dias e itraconazol 100 mg manhã e noite, apenas um dia. 

Se houver critérios para candidíase complicada, como nos casos de candidíase por Candida não albicans, em diabéticas ou imunossupressas, utilizar os esquemas tópicos mencionados por 7 a 14 dias ou fluconazol 150 mg, 1 vez a cada 3 dias, 3 doses. A supressão, após a fase aguda, é realizada com fluconazol 150 mg, semanalmente por 6 meses. Outras recomendações incluem a utilização de óvulos vaginais manipulados com 600 mg de ácido bórico. 

O mais recente método para candidíase de repetição é o antifúngico ibrexafungerp®, uma opção nas ocorrências resistentes ao procedimento e nas candidíases de repetição. Não se sabe a eficácia do tratamento em candida não albicans

A tricomoníase é causada pelo Trichomonas vaginalis via sexual e é a infecção sexualmente transmissível não viral mais comum no mundo. Esse parasita flagelado corre o risco de fagocitar bactérias, fungos e vírus, contaminando e infectando o trato genital superior. Devido à sua resposta inflamatória, é possível facilitar outras IST. A paciente queixa-se de leucorreia e, ao exame físico, observa-se leucorreia profusa que pode se exteriorizar pela fenda vulvar, amarelada ou esverdeada – provável que seja bolhosa – associada à ardência, queimação, disúria e dispareunia. Há uma hiperemia importante do colo e parede cervical chamada de colo uterino com aspecto de morango (colpitis macularis). Nessa infecção, há um aumento do pH (acima de 4,5) e há possibilidade de ter o teste das aminas positivo devido à flora anaeróbia associada à vaginose. O diagnóstico é confirmado, em até 61% das vezes no exame a fresco, sendo necessária a bacterioscopia e cultura em casos duvidosos. 

Devido a possibilidade de desfecho adverso, principalmente no ciclo gravídico-puerperal, o seu tratamento é imperativo, mesmo que sintomático, e é realizado com metronidazol ou tinidazol 2 g, via oral, dose única. A alternativa a esse processo é o metronidazol 500 mg a cada 12 horas, similar ao recurso terapêutico da vaginose. Após o procedimento, é recomendada nova testagem em 3 meses, além da comunicação e convocação do recurso terapêutico do parceiro. Outras opções terapêuticas incluem tinidazol 2 g quantidade única ou secnidazol na mesma dose via oral. 

Na vaginose citolítica há uma proliferação excessiva dos Lactobacillus que aumenta a citólise, ocasionando leucorreia com prurido variável, ardor, queimação, disúria e dispareunia. Na averiguação física, há um conteúdo vaginal aumentado, fluido ou flocular, que pode estar ou não aderido às paredes vaginais. Nesse caso, há um pH ácido e, ao exame a fresco, observa-se Lactobacillus em excesso, associado aos núcleos desnudos e restos celulares. Essa afecção não possui tratamento específico, mas pode ser recomendado duchas vaginais com bicarbonato de sódio, principalmente na fase pré-menstrual, para alcalinizar o meio vaginal.

Vaginite inflamatória descamativa é causada por alteração imune local com infecção, como Escherichia coli e Streptococcus do grupo B secundárias. Geralmente, a paciente se queixa de leucorreia abundante associada ao desconforto, dispareunia e ardor. As paredes vaginais podem apresentar eritema com petéquias e equimoses e existe a possibilidade de haver cervicite associada. Nesse caso, não há procedimento específico, mas as terapêuticas recomendadas são: clindamicina creme por 21 dias, hidrocortisona intravaginal por 2 a 4 semanas ou creme combinado de clindamicina e hidrocortisona. 

Já na vaginite aeróbica, há uma alteração da flora vaginal, em que ocorre uma redução dos Lactobacillus associados aos diferentes graus de inflamação e biota aeróbica entérica. Essa alteração pode levar à leucorreia purulenta com odor fétido, disúria e dispareunia. Ao examinar a paciente, há uma inflamação do vestíbulo, hiperemia vulvovaginal e leucorreia abundante. Em alguns estudos, devido a sua similaridade com a vaginite inflamatória descamativa, é considerada a mesma entidade. O tratamento ainda não é bem estabelecido, mas recomenda-se hidrocortisona via vaginal – em caso de inflamação intensa –, estrogênio – na atrofia – e clindamicina – se flora vaginal com grande número de bactérias. 

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